quinta-feira, 3 de março de 2011

Carta ao tempo em gratidão pela Rubrinescência inesperada

Caríssimo tempo,
Trago minhas mãos vazias como quem traga a noite num gole. Atraso o tiro no escuro e protejo-me os olhos.
Com que cara haveriam as mortalhas de se arrastar diante do claro da balada à seco?
Prosa caótica de uma frustração remissiva que, sustentada pela aurora de olhos infindos, se descarta no ar.
Era feita de bêbada semelhança e concretude em silêncio: Não há resposta.
Gilete arqueada na gengiva, o suspiro do corte, a liquidez do sangue que esvoala-se em cala-frios pela boca a fora.
Com que cara haveriam as gralhas de rosnar anunciando o desfecho da vida?
Como uma pétala de ouro que se atira rio à cima, de pó em cal as construções de quem eu era vai se desmanchando contra o vento e o sal que projetam-me os dias!
Toda carta tem a sorte e o azar, contida nela. Toda jogada, o acerto e o equívoco. Todo lance: um preço.
Em meus dias, as horas se sustentavam em dores sustenidas até que, num milagre da espera, nasceu a rubrinescência inesperada!
Com que cara haveriam as flores de se abrir naquele dia?
Um céu enxergava os acontecimentos e de véu em vez as tristezas iam se dissolvendo na epifania de um asfalto encharcado, docemente visitado pelo sol.
De véu em vez, as dores foram se abrandando da fogueira eloqüente das minhas memórias e bandeiras começavam a ser arqueadas enquanto minhas lágrimas já não tinham mais o motivo da queda: Me chamam felicidade, agora!
Tempo, poesia inventada pelo homem. Sem antes nem depois, assola-me a calma, saber que tens cumprido tua vocação de andarilho e me mostrado a fronte de um por vir acompanhado da cor, do aroma, da beleza e da concretude de uma vértebra materializada em amor:
Priméva num alqueire de luz que afugenta o breu.
Mulher que incendeia minha história e faz nascer meu futuro sem sombra nem mácula.
Pra sempre amiga, eternizada pela rubrinescência de um dia qualquer.
Tempo, sou grato a ti pela tolerância. Te agradeço a agonia da caminhada. Te sou grato pelos devaneios do “nunca chegar”. Porque agora sei que quando se alcança a chegada, ante a um deserto, sob os olhos sem fim, se pode coroar de realização aquilo que antes era espera.
Amor,
Eu