sábado, 29 de janeiro de 2011

ANARUBRA e SESSIM


Anarubra era uma menina que tentava querer ser mulher, fazia tempo. Ouviu dizer que a chave que abria essa porta entre a menina e a mulher era um beijo, e tascou-lhe beijo em todo mundo que via pela frente: No tenente disse que o gosto era ruim e no Sessim disse que não se beijava assim. No Teobaldo disse que o gosto era amargo e com o João, que não se beija com a mão.

Anarubra beijou tanto, demais da conta, que por algum motivo que não sabia explicar, seu coração foi ficando pequenininho, do tamanho de uma culpa. Aí, Anarubra foi a igreja que foi onde ouviu que se deixavam as culpas, quando chegou lá viu tanta gente na fila das culpas que quase desistiu de se desculpar, então Anarubra sentou num banco e viu que tinha uma senhora que tava carregando uma culpa tão grande que parecia ser mais pesada do que a dela, porque de tanto espremer o coração da senhora, já saia o sumo pelos olhos num soluço de dá dor. Anarubra viu que a tal senhora tava se desculpando sozinha, sem entrar na fila, ajoelhou e começou a se desculpar também. Ela dizia assim:

Bom... vim aqui porque quero meu coração de volta, do tamanho que ele era antes, mas pra isso tenho que deixar aqui essa culpa que de tão grande me deixa quase sem ar. Quero confessar que tava querendo ser mulher, mas não encontrei a chave, só a culpa...
Aí, Anarubra saiu da igreja crente que seu coração tinha recuperado o tamanho e foi tomar um sorvete, porque o dia tava quente, e se desculpar queima a pele da gente com um fogo chamado vergonha. Esse fogo é tão quente que nasce dos olhos de quem ouve a gente se desculpar, no caso de Ana, a tal senhora da culpa maior que a dela.

Mas, Anarubra ainda queria querer ser mulher, e ouviu falar que pra ser mulher tem de se deitar do lado de um homem, menino não bastava. Pra menino ajudar a menina a virar mulher, tinha que ser homem antes, mas pra menino ser homem, tinha que se deitar do lado de uma mulher, menina não bastava. Pra menina ajudar a menino a virar homem, tinha que ser mulher antes. Então Anarubra pediu pra se deitar com o Seu Manoel, que era padeiro da cidade e tinha se deitado com a Tia de Ana, que já era mulher, então, Ana pensou, Se minha tia é mulher, seu Manoel deve ser homem, a uma hora dessas, mas seu Manoel ficou vermelho, acho que com o tal fogo da vergonha, e mandou Anarubra voltar pra casa.

No caminho, Ana encontrou Sessim e lhe explicou o que tinha aprendido, Sessim queria ajudar Ana a ser mulher, mas ainda não tinha se deitado com uma, por tanto, não era homem ainda. Mas o menino queria tanto ajudar Anarubra que a vontade foi maior que a verdade. Verdade é quando se fala do que aconteceu. Mentira é quando se fala do que não aconteceu. Mas fé é quando se fala de algo que ainda não aconteceu, mas que junta tanta querência que acaba acontecendo e virando verdade. E Sessim tinha fé. Sobre tudo quando se tratava de Anarubra.

Então Sessim disse pra Anarubra que já tinha deitado com mulher, lá pras bandas de Ilhéus, Anarubra não acreditou, mas achou tão bonito ver que Sessim tinha se esforçado pra inventar aquela história tão bonita que parecia até coisa de quem já é homem.

Anarubra escolheu o lugar e os dois foram juntos. Levaram travesseiros e uma garrafa térmica com café quente por causa do frio. Frio, nesses casos, é quando a gente quer tanto uma coisa por dentro que o corpo começa a tremer querendo fazer sozinho, tem quem chame de “nervoso”.

Ao chegar Anarubra deitou e ficou olhando para o céu cheinho de estrelas. Sessim deitou do lado e não deu uma palavra. Ana perguntou se agora já era mulher, mas como Sessim queria ficar mais um pouco assim com ela, juntinho, quase um só, disse que ainda não. Lá pelas tantas Anarubra se irritou juntou as coisas e foi-se embora, com muita raiva, uma tão grande que fazia a boca dela dizer coisa que o coração não concordava.

O tempo passou e Anarubra finalmente conseguiu ser mulher com um homem que trabalhava na cidade e vivia ajudando menina a virar mulher, tanto que tinha o coração pequenininho de tanta culpa. Tanta que não tinha espaço pra Anarubra, mas aí ela já não queria mais querer ser, mas já era tarde.

Anarubra disse que a melhor forma de virar mulher era do modo de Sessim, mesmo que de mentirinha, porque com ele tinha, no coração, espaço de sobra pro tamanho de Ana, e ainda se podia olhar pras estrelas até o corpo parar de tremer de frio e o melhor, o coração de Anarubra, com Sessim, não emiudava de culpa. Pelo contrário, com ele, o coração de Anarubra crescia tanto que não cabia direito no peito... parece que é o que Ana ouviu chamarem de amor, a chave que faz a mulher virar menina outra vez.

2 comentários:

Josély Riane Sobrinho disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Josély Riane Sobrinho disse...

Ahh Marcinho,alguma vez eu já te disse que sou tua fã?!rs...
Que texto lindo...um tanto angustiado, mas belíssimo!(Novidade, né?! rs...)
Ler teus textos é como conversar contigo: sempre é muito leve, gostoso e não há como não quer mais e mais! Porém somos obrigados a parar (ou porque acabou o dia, ou porque acabaram as letras) e só nos cabe esperar pela próxima oportunidade, já torcendo para que o silêncio seja breve. Nesse de "Anarubra" não foi diferente.
(rs... E "Cá pra nós",que nome incomum para esta personagem, em?!rs... )

PS: É melhor reservarem logo uma cadeira na ABL...rs, pois chegarás lá rapidinho, com tanto talento.
Beijinhos.