sexta-feira, 30 de abril de 2010

Histórias de Nelson que ouvi atrás da porta n° I: ACORDO


Silêncio. Era silêncio que tivera transformado a vida miserável daqueles dois que agora mau se olhavam.
Adelzira tinha cinqüenta anos, parecia bem mais nos últimos vinte. Ruberval tinha sete a mais e andava cansado de tudo.
Os gêmeos se mudaram para o conjugado da Sá Ferreira. “Privacidade” eles repetiam em coro, enquanto colocavam as malas na Brasília que tiveram comprado com os primeiros oito salários do estágio na firma de seguros.
“Quem contrataria esses dois infelizes?” Ruberval questionava de si para si toda vez que eles contavam as aventuras da repartição no jantar.
Ruberval era assim, descrente de tudo. Parece que a coisa tinha piorado desde que uma de suas lojas no centro tinha fechado pra não deixar o pobre no vermelho. Ele tinha se tornado uma amargura que dava dó. Tratava Adelzira como uma mula, que também não economizava nas patadas. “Escuta bem seu infeliz, pára de beber se não tu vais destruir uma a uma as lojas que meu pai nos deixou percebeste?”, ela dizia assim: “MEU PAI NOS DEIXOU”, pra não deixar margens de que era graças a ela que ele tinha saído da miséria.
Ele, em contra partida, andava bebendo mais a cada dia. “Deus ainda me leva de cirrose”, ele gritava. “Só assim pra me livrar dessa vida tediosa do teu lado”, escancarava para não deixar brechas entre as suas palavras.
É que na lógica diabólica dos dois se um ferisse o que mais lhe tinha de valor no outro, cheque-mate! Adelzira era frustrada por não ter conseguido um casamento brilhante enquanto Ruberval não se conformava em não ter conseguido se tornar um grande empresário como o sogro. Eis as feridas mais facilmente atingíveis dos dois. Mas nem sempre foi assim.
Ruberval conheceu Adelzira numa casa de tortas em Copacabana. Ele estava acompanhado de Alfredo (seu melhor amigo até hoje). Ela estava com Eulália (brigaram há algumas semanas por conta de uns pontos de vista divergentes sobre o fim da novela, nada serio).
O fato é que Eulália fez Adelzira conhecer Ruberval na marra, ao ficar duas horas aos beijos com Alfredo no banco de trás do fusca no mirante do Leme. “Me chamo Adelzira, mas pode me chamar de Adedê”, ela dizia sorridente por de trás dos óculos de gatinha. Eram os anos 60, sexo sem segurança era tão natural quanto chupar chicabom nas tardes de setembro. Foi assim que os gêmeos vieram.
Marco Antônio, filho de Eulália com Alfredo, também tinha sido encomendado no banco de trás do fusca daquela tarde. Mas com eles parecia diferente.
Alfredo vai pra bola toda quarta-feira e Eulália narra com prazer às noitadas inacabáveis para a amiga Adelzira enquanto prepara o jantar. “Até três sem tirar minha filha!”, conta Eulália. “Mas três? No duro?” , questiona a amiga com um misto de inveja e surpresa. “Batata!”, confirma Eulália com um orgulho diabólico. “Pois eu tô besta, percebeste? Ruberval não fazia isso nem nos tempos da casa de tortas”, desabafa Adelzira, ainda mais frustrada e as duas caem na gargalhada.
A bola de toda quarta-feira era uma pequena da repartição que Alfredo mantinha em um apartamento na Urca e o rio de janeiro inteiro sabia. Era o único consolo de Adelzira que ria entre os dentes enquanto a amiga narrava suas peripécias noturnas.
“Bom agora preciso ir porque o Alfredo chega cheio de vontade quando sai da bola”, se despede da amiga entre risos. “Vai com fé!”, dizia Adelzira se questionando se Eulália mentia.
De noite, depois que Adelzira e Ruberval foram para o quarto, a esposa questionou o marido. “Escuta aqui homem, Alfredo e Eulália são felizes no casamento?”. “Até onde eu sei sim...” respondeu Ruberval, tentando entender o que se passava naquela mente insana da esposa. “Por quê?” completou Ruberval. “É que fico me perguntando se Eulália não sabe da pequena da Urca. Já vi até o Marco Antônio comentar disso com os gêmeos”, desabafou Adelzira intrigada. “Pois ela sabe”, respondeu Ruberval sem vacilar. “E não fez nada? Não deu uma dura no marido? Nem um tiro na cara dessa cavalheira? Espeto!”, afirmou Adelzira. “Espeto por quê, mulher? Pois saiba que foi essa fulana que salvou o casamento dos dois compreendeste?”, afirma o marido. “A é? E eu posso saber por quê?”, interroga o marido. “Todo homem que trai é feliz, ama a esposa e é bom pai”, descreve Ruberval quase desejando a vida de Alfredo. “Bem se vê que tu me és fiel. Pelo menos isso. Agora dorme traste. Dorme que a minha cabeça está a ponto de explodir”, tenta concluir Adelzira pondo a cabeça sob o travesseiro e pressionando bem com a mão esquerda. “Adelzira? O que farias se eu arrumasse uma pequena, mas mudasse contigo?” arrisca Ruberval numa ansiedade que lhe fazia suar pela fronte. “Inda não me fiz essa pergunta”, respondeu serena a esposa. “tu me dás um tempo pra pensar no assunto?”, completou Adelzira. “Todo o que precisares”, concluiu Ruberval que apagou o abajour virou-se de costas para a esposa e dormiu um sono profundo como não fazia há tempos.
Três meses depois Ruberval tinha entrado para o time de Alfredo e Adelzira tinha voltado a ser Adedê!

Um comentário:

Shaianna disse...

Simplesmente ..... PIPOCA!!!!!!